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bernardo boclin borges

Promotor admite fim da Lei Seca

Representante do Ministério Público avisa que Código de Postura do Município é mais rígido do que a polêmica portaria que instituiu a chamada Lei Seca na cidade


Publicado em 23 Setembro 2007

Euclides Oliveira - Niquelândia

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euclides oliveira
Promotor Bernardo Boclin diz que portaria que instituiu Lei Seca pode acabar, mas ele quer culpados na cidade se a violência recrudescer
Promotor Bernardo Boclin diz que portaria que instituiu Lei Seca pode acabar, mas ele quer culpados na cidade se a violência recrudescer
O promotor Bernardo Boclin Borges, de Niquelândia, concedeu entrevista ao Diário do Norte na quinta-feira (20), quando comentou a decisão da Ordem dos Advogados (OAB) da cidade, presidida por Carlos Godói, noticiada com exclusividade pelo DN na última semana, em procurar apoio do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) para a extinção da Portaria 012/05, mais conhecida como Lei Seca. De acordo com o promotor, que sinalizou com a possibilidade de revogação da portaria, em vigor desde maio de 2005, caso o TJ derrube a medida, a legislação que prevalecerá em Niquelândia é o chamado Código de Posturas, que prevê horários ainda mais restritivos para os que pretendem beber fora de horários convencionais. "Com o Código de Posturas os bares vão ser obrigados a fechar meia-noite, inclusive de sexta para sábado; e de sábado para domingo. E no domingo, terão fechar às 22 horas. A portaria, na realidade, é muito melhor que essa lei", comentou Bernardo. O promotor ainda deu a entender que a Câmara Municipal estimulará a violência na cidade, caso a redação do Código de Posturas seja alterada para permitir o funcionamento dos bares durante 24 horas por dia, como era antigamente. Bernardo ainda discorreu sobre a existência de chamada "indústria de TCOs"; disse que quem manda na cidade é o povo; e lembrou que a polêmica medida conta com 96% do apoio da população de Niquelândia. Diário do Norte – Uma comissão encabeçada pelo advogado e presidente da OAB de Niquelândia, Carlos Godói, esteve em Goiânia para pedir a revogação da chamada Lei Seca, junto ao TJ. Qual é a avaliação do Ministério Público (MP) sobre essa movimentação? Bernardo Boclin Borges – Eu queria parabenizar a OAB e a Acin, por terem tomado esta atitude. Na realidade, quando eu e o doutor Rinaldo tomamos esta atitude, só estávamos pensando no bem-estar da população. Nós tínhamos aqui um índice de criminalidade alarmante, de homicídios e de crimes contra o patrimônio; e não podíamos deixar as coisas continuar acontecendo daquele jeito. Era uma situação de caos. Não tínhamos como obrigar o Poder Legislativo a legislar, ou mesmo obrigar o prefeito (Luiz Teixeira, à época) a fazer algo, naquele momento. Então, nós fizemos isso (a portaria) em benefício da população. Nós até nos preocupamos com o comércio em si, porque a portaria é muito melhor do que o Código de Posturas de Niquelândia. Naquela época, a portaria contou com o apoio da OAB, que se comprometeu a não questionar a medida. Ela nunca foi imposta goela abaixo. Tanto isso é verdade que já faz dois anos e meio de sua instituição e ela nunca foi questionada. O fato de eles terem ido lá (no TJ) vai ser muito bom. A OAB tem como princípio a aplicação da lei. E nós também. Eu sou o fiscal da lei. E o que vamos fazer agora? Vamos retirar a portaria e mandar aplicar o Código de Posturas, até em respeito ao Legislativo Municipal. DN – Esses votos de parabéns não são uma forma de ironizar a situação? Bernardo – Muito pelo contrário. Nossa intenção sempre foi fazer valer o Código de Posturas, que é muito mais rígido e mais duro que a Portaria 012/05. Agora, a Acin foi falar em nome dos comerciantes, pedir o fim da portaria. E a OAB quer o cumprimento da lei. Não há ironia nenhuma. DN – O que diz o Código de Posturas de Niquelândia, com relação aos horários de funcionamento de bares? Bernardo – O Código diz que esses estabelecimentos, para funcionarem até meia-noite todos os dias, precisam de autorização do prefeito, sendo que essa legislação não faz diferença entre dias úteis e finais de semana, mas manda fechar às 22 horas, no domingo. E boates e cabarés, no bom sentido – não estou me referindo a prostíbulos, porque são proibidos – começam a funcionar às 20 horas e fecham às 4 horas. Ou seja, com o Código de Posturas os bares vão ser obrigados a fechar meia-noite, inclusive de sexta para sábado; e de sábado para domingo. E no domingo, fechar às 22 horas. DN – O senhor está sinalizando com a revogação da portaria da Lei Seca? Bernardo – Sem dúvida. Na época do horário de verão passado, fui convidado pela presidente da Acin (Eneida Lopes de Godoi) para fazer uma reunião com os comerciantes, que queriam nos fazer um pedido que a portaria fosse adequada com uma hora a mais, naquele período. Falei a ela que fizesse um pedido formal, por escrito e em nome da Acin, pelo fim da portaria, que nós a revogaríamos. Falei também: 'Você (Eneida) assume o ônus social de tudo o que vai acontecer' (o possível aumento da violência). E ela me disse assim: 'Eu concordo com a portaria e não vou fazer um pedido desses ao senhor'. O que estou mostrando é que nunca houve, por parte do MP e do Judiciário, essa impossibilidade de revogação. Nunca nos negamos a revogar a portaria. Mas nós estávamos esperando alguém ter coragem e se posicionar contra a portaria, para podermos aplicar a lei. Revogar a portaria para ficar do jeito que era antes? Negativo. Vamos exigir a aplicação do Código. DN – Se a portaria cair, de fato, o que o MP, na pessoa do senhor, poderá fazer para exigir que a Prefeitura de Niquelândia cumpra o que está escrito no Código de Posturas? Bernardo – A polícia vai ajudar, mas isso é função do município. E não cabe ao município escolher se vai ou não cumprir a lei. Se a lei não for cumprida, aí sim caberá ao Ministério Público entrar com uma ação nesses termos. Se, por acaso, o prefeito (Ronan Batista) não cumprir a lei (o código), eu entro com a ação. Se houver uma determinação judicial para o prefeito cumprir a ação, e ele não cumprir, ele estará implicando em desobediência, podendo até mesmo ser processado e afastado do cargo. Agora, eu não acredito nisso, porque o presidente da OAB ocupa um cargo de confiança no governo dele. Eu não acredito que ele (Godói) sairia daqui para ir a Goiânia, pedir o cumprimento da lei, se ele já não estivesse com uma estrutura toda montada para cumprir o Código de Posturas, imediatamente. DN – O senhor não teme o recrudescimento da violência com o fim da Portaria 012/05? Bernardo – Não, até porque o Código de Posturas é melhor do que a portaria. Eu acho que vai melhorar, porque os bares não voltarão a funcionar 24 horas, como era antigamente. DN – Na contramão disso, surgiram rumores de que a Câmara Municipal de Niquelândia vai alterar três itens do Código de Posturas, para prever que os bares funcionem nas 24 horas do dia. Como é o que senhor avalia isso? Bernardo – Se a Câmara fizer isso, ela vai dar uma excelente oportunidade para a população de Niquelândia refletir. Eu transferi o meu título para cá. Além de promotor, agora eu sou eleitor da cidade. Eu queria que todas as pessoas que eu votei até hoje – e sei o nome de todas – fizessem isso: se mostrassem. Ano que vem é ano de eleição. Que eles (os vereadores de Niquelândia) se mostrem para a população, ao aprovar uma lei contrária ao interesse de seus eleitores, de tal modo que o povo possa dizer se quer ou não quer esses representantes. Se eles alterarem o código, eles estarão de parabéns também, porque estarão tomando postura. E o povo vai ganhar também, porque a portaria possui 96% de aprovação (em pesquisa feita sem amostragem científica, com 3.000 pessoas da cidade, através de cédulas depositadas em uma urna num supermercado, com apoio das emissoras de rádio locais). DN – Permitir que os bares não tenham limite de horário para funcionar seria uma irresponsabilidade da Câmara Municipal de Niquelândia? Bernardo – Não. Postura é postura. Posição é posição. Ninguém é obrigado a fazer nada. Só estou dizendo que vou dar os parabéns se ela fizer isso, porque pelo menos estará tendo postura, dando a chance de o eleitor saber quem são seus representantes, para saber se eles legislam para 4% da população (os que seriam contra a portaria, dentro da mesma pesquisa citada na pergunta anterior), ou se eles legislam para os 96% que aprovam. DN – Se o nível de escolaridade da população fosse um pouco maior, o percentual de aprovação da Lei Seca se daria no mesmo patamar que o senhor aponta? Bernardo – Sem dúvida. O crime não incomoda apenas o pobre, não. O crime incomoda todo mundo. Os ricos, hoje, não estão trancados em suas casas? O rico mora hoje numa casa cheia de grades. São os que mais sofrem com a violência, porque não podem ter um carro bom, nada de bom, porque estão sempre sendo vítimas de assaltos. Todas as ações que são feitas para o combate ao crime recebem a aprovação da população, de uma forma geral. DN – A cidade tem medo do promotor e do juiz? Bernardo – Medo? Acho que a cidade tem orgulho ou satisfação pelo trabalho que desenvolvemos. Tenho essa impressão. Até o mesmo o jornal poderia desencadear uma pesquisa nesse sentido. Vai ser bom pra mim. Foi feito um trabalho, por um instituto conceituado, encomendado pela Prefeitura de Niquelândia, onde apareceu quase 80% de aprovação para o Ministério Público e para o Poder Judiciário; e 90% de aprovação para a Polícia Militar (comandada pelo tenente Claudemir Vieira Cruvinel). É que não foi divulgado, mas foi feito. DN – O presidente da OAB de Niquelândia falou na existência de um suposto conluio entre o senhor e o juiz Rinaldo Barros. Houve exagero nessa afirmação? Bernardo – Ele jogou isso no ar. Teríamos que perguntar a ele o que significa esse conluio. Mas essas são questões pessoais. E eu gosto de tratar as coisas no nível institucional. Eu não sei qual seria o conluio, de que forma se daria esse conluio. A reportagem deveria ter perguntado a ele, para que eu agora pudesse responder. DN – Muito se comenta na cidade que o juiz Rinaldo Aparecido Barros nunca indeferiu um pedido do senhor. Bernardo – Não sei. Teria que ser feito um levantamento para saber se os meus pedidos são todos deferidos ou não pelo juiz. O que acontece é o seguinte: o advogado tem por natureza usar todas as armas que possui em benefício de seu cliente. O promotor não tem essa necessidade. O promotor quer o cumprimento da lei. Se você fizer um levantamento, verá que há um grande número de pedidos atendidos, porque o promotor não fica fazendo pedidos sem fundamento. Dificilmente, um promotor fará um pedido que ele entenda que não é legal. A lei que o promotor e o juiz analisam é a mesma. NIQUELÂNDIA NÃO TEM DONO, DIZ PROMOTOR DN – Os reclamantes também alegaram que a PM comete excessos no cumprimento da Lei Seca? Como é que o MP e o Poder Judiciário orientam a corporação no trato aos cidadãos que freqüentam os bares de Niquelândia? Bernardo – No começo, pode até ter havido algum excesso. E não apenas no cumprimento da nossa portaria, mas no cumprimento de qualquer lei. Garanto que se você fizer uma pesquisa em outros municípios, a PM não terá a credibilidade que possui hoje em Niquelândia. As pessoas ligam para o tenente Cruvinel para agradecer pela forma com que são tratadas. A população não é boba. Tudo o que fizemos e o que está sendo feito foi feito para beneficiar o povo de Niquelândia. DN – A existência da portaria não inibe investimentos do Governo do Estado para aumentar o efetivo policial de Niquelândia? Se existissem mais policiais, a cidade não seria mais segura? Bernardo – O fim da portaria nada tem a ver com o efetivo. Agora, o fato dela acabar não significa que virão mais policiais para cá. Brasília, por exemplo, é a cidade com maior número de policias e de viaturas por habitantes, mas o crime lá continua e eles estão pensando em fazer a mesma lei. Não é uma questão de falta de policiamento. Bar aberto, por si só, incomoda o vizinho, as pessoas saem falando alto, cantando pneus. Muitas vezes, por conta de uma ocorrência banal de embriaguez, o cidadão fica desprotegido, sendo assaltado em sua casa. Isso não tem jeito. Não podemos pensar só no direito de ir e vir, mas no direito à vida e no direito ao descanso. DN – Toda pessoa que gosta de tomar uma cerveja nas madrugadas é um bêbado ou um vagabundo em potencial? Bernardo – Sem dúvida que não. Não estamos impedindo ninguém de beber, mas sim que todos os estabelecimentos estejam abertos ao mesmo tempo, o que facilita o crime e dificulta a punição. Há um número excessivo de pessoas ingerindo bebidas alcoólicas, sendo que algumas se tornam violentas, cometendo crimes. Ela pode continuar bebendo em sua casa. Ninguém nunca proibiu isso. Agora, imagine o que essa cidade vai virar com esse projeto de expansão da Votorantim Metais, com o número de pessoas que virão morar aqui. Tudo isso tem que ser pensado. DN – O presidente da OAB disse que "o promotor manda na cidade". O senhor está acima do bem e do mal em Niquelândia? Bernardo – Essa é a resposta mais fácil de se dar. Basta olhar o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal, onde se afirma que "todo poder emana do povo, que o exercerá por meio de seus representantes eleitos, ou de forma direta". Então, quem manda em Niquelândia é o povo de Niquelândia. Acontece que, na cidade, existiam pessoas que se achavam "donas" de Niquelândia. E muitos dos poderes dessas pessoas foram quebrados com atitudes nossas, como as interferências que existiam no trabalho da PM; e os políticos que faziam campanha com a liberação de carros que eram apreendidos, por exemplo. Fomos cortando essas coisas, esses vícios que aqui existiam; e agora ficam dizendo que quem manda em Niquelândia é fulano ou ciclano. Olha, o poder do prefeito, dos vereadores, do juiz e do promotor têm começo e fim, dado pela Constituição. DN – Godói também alardeou a existência da chamada "indústria do TCO", nas palavras dele. Bernardo – O problema de Niquelândia não é a indústria de TCOs, mas sim a ocorrência de crimes em escala industrial. Inclusive, a matéria colocou que a proposta é do juiz, mas não é. Isso parte do Ministério Público, que faz essa 'troca', por ser o dono da ação penal, para não processar a pessoa. Quem aplica o valor sou eu. Como é que uma pessoa que ganha um salário mínimo de R$ 380 vai conseguir pagar R$ 1.900? Só vai pagar isso quem cometer um crime. Em Niquelândia, não tem nenhuma pessoa que não saiba o valor do TCO. Sou obrigado por lei a analisar a situação econômica da pessoa. E eu analiso, parcelando 5, 10, 15, 20 ou 30 vezes. DN – Da mesma forma que as Casas Bahia? Bernardo – Que seja. Se fosse apenas 30 reais, eu estimularia as pessoas a transgredirem. Esse valor é justamente para inibir. DN – Caso o senhor deixe Niquelândia, as obras da Casa do Idoso corre o risco de não serem concluídas? Bernardo – Não, pelo contrário. A parte que coube dos TCOs na primeira fase da obra foi pequena. Só a Votorantim e a Anglo American doaram R$ 100 mil cada uma. Essa obra do abrigo não é minha, não é do juiz. Essa obra é da população que não agüenta mais aquela vergonha (O Lar São Vicente de Paulo, na Vila Mutirão).

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