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ENTREVISTA: Haroldo Caetano Silva

Encarceramento não reeduca

Polêmico, promotor critica política de encarceramento adotada no Brasil e defende que o País discuta critérios para levar alguém para a prisão. Para ele, o problema da violência não se resolve com lei penal


Publicado em 29 Maio 2018

Jaldene Nunes

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A legislação penal é apresentada como resposta para o  fenômeno da violência. Acontece que a  violência não se resolve com leis penais
A legislação penal é apresentada como resposta para o fenômeno da violência. Acontece que a violência não se resolve com leis penais

Promotor de Justiça há 24 anos, 20 dos quais dedicados à execução penal em Goiânia, Haroldo Caetano Silva ministrou palestra na 12ª Jornada Jurídica do curso de Direito da Faculdade Evangélica de Goianésia (Faceg), sobre o tema "A Crise do Sistema Penal Brasileiro", depois da qual ele falou com Diário do Norte.
"Eu não sustento que exista uma crise no sistema penal. Existe um sistema penal que funciona e que consegue alcançar resultados que são desastrosos. O sistema penal brasileiro não é capaz de produzir outra coisa que não seja violência, superlotação carcerária e reincidência. Isso não significa que ele está em crise, isso significa que o próprio sistema é a crise. Ele próprio precisa ser repensado, porque, nesse modelo, ele não é capaz de produzir outra coisa", afirmou Haroldo Caetano, autor de livros sobre a temática e vencedor, em 2009, na categoria Ministério Público, da 6ª edição do Prêmio Innovare, com o Projeto de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), órgão responsável, desde 2007, pela execução das medidas de segurança no Estado de Goiás.
Durante a palestra, e nesta entrevista, Haroldo Caetano Silva disse que o encarceramento é incapaz de reeducar, seja no Brasil, seja na Noruega, e defendeu que o Brasil precisa definir melhor quais são os critérios que devem levar as pessoas para a prisão. "Essa lógica, de encarceramento em massa, é um problema que precisa ser enfrentado", disse, fazendo um paralelo entre os totais atuais de presos no Brasil, 750 mil, e de mortes por homicídio, 60 mil no ano passado, que põem o país na liderança mundial no número de assassinatos no mundo.

Diário do Norte Qual é o cenário dos presídios hoje no Brasil?
Haroldo Caetano Silva – Bom, o cenário, todo mundo acompanha aí: em regra, é de superlotação carcerária e de crescente pressão por mais presídios para que mais pessoas sejam presas. Essa lógica, de encarceramento em massa, é que é um problema que precisa ser enfrentado, porque prendemos muita gente, nós criminalizamos pessoas geralmente pobres, negras, periféricas, jovens, e isso tem trazido muito mais problemas do que qualquer tipo de benefício para a sociedade brasileira.

DNPrender menos e soltar mais pode ser uma solução para o problema da violência?
Haroldo – O que nós precisamos é definir melhor quais são os critérios que devem levar as pessoas para a prisão, porque a gente deve reservar a prisão para casos em que houver violência tal que não seja admitida, que não seja possível, uma convivência momentânea desse indivíduo com a sociedade.

DNO Estado falha enquanto responsável por essa política de encarceramento que não consegue reeducar os presos?
Haroldo – O encarceramento é incapaz de reeducar, seja no Brasil, seja na Noruega, melhor IDH do planeta. Então, não existe reeducação. Essa palavra é uma palavra equivocada, que vem sendo utilizada de forma a, de alguma maneira, seduzir as pessoas para a ideia de que a prisão seja capaz de educar alguém. A prisão é incapaz de educar ou reeducar quem quer que seja. Então, nós precisamos de pensar em evitar maiores danos provocados pelo encarceramento de pessoas.

DN Há quem entenda que o condenado não deve passar por processo de reeducação, mas que ele deve, sim, cumprir pena pelo crime que cometeu. Como o senhor vê esse pensamento?
Haroldo – É preciso que a prisão, quando ela for necessária, quando, de fato, a gente precisar mandar alguém para a cadeia, que ela respeite os direitos fundamentais do indivíduo que vai para a cadeia, porque o corpo dele vai preso, mas a dignidade dele deve ser respeitada.

DNComo o senhor avalia a legislação penal atual, que prende muito, enquanto o crime avança em todas as estatísticas?
Haroldo – A legislação penal vem sendo apresentada como resposta para o fenômeno da violência. Acontece que a violência não se resolve com leis penais. Isso é um engodo, que muitas vezes elege políticos populistas, políticos que vêm com esse discurso punitivista, mas a lei penal não muda a realidade das ruas. É preciso produzir políticas públicas, que levem de fato a uma sociedade menos desigual, a uma sociedade menos racista, a uma sociedade menos homofóbica, a uma sociedade que respeite as mulheres, a uma sociedade que discuta e modifique o quadro de desigualdade socioeconômica, dentre outras questões que são muito importantes, às quais, uma vez melhor equacionadas, vão produzir lá na frente um quadro melhor, de maior harmonia de convivência social.

DN Uma das suas afirmações, aqui na sua palestra, é de que a polícia não produz segurança pública. Explique!
Haroldo – É, a polícia, por si só, não produz políticas de segurança pública; a polícia prende pessoas, a polícia faz segurança ostensiva. Porém, ela, sozinha, não é capaz de produzir segurança pública, porque ela não ataca os problemas que se relacionam com a violência, as causas da violência não são enfrentadas pelo policiamento. Por mais polícia que tenhamos, a violência está presente na sociedade. Então, é preciso que nós trabalhemos isso que falamos anteriormente: as políticas que sejam capazes de trazer uma sociedade menos violenta.

DN – É preciso melhorar, promotor? Como?
Haroldo – Primeiro, é preciso parar de prender tanto. A gente tá prendendo muita gente de maneira desnecessária, a partir de uma guerra irracional contra as drogas, principalmente. É preciso descriminalizar algumas condutas tipificadas hoje na Lei de Drogas. É preciso que a gente discuta com seriedade as hipóteses em que a prisão se faz necessária.

DN Vamos falar sobre rebeliões. Como é possível evitar as rebeliões nos presídios?
Haroldo – As rebeliões são repercussão, infelizmente, natural, do processo de encarceramento em massa, nas condições em que esse encarceramento vem sendo feito. Não há como enfrentar rebeliões, sem discutir o encarceramento.

DNQual a sua análise da Lei Estadual número 19.962, de janeiro deste ano, que permite ao governo do Estado a movimentação dos presos, em vez do Judiciário?
Haroldo – Essa lei é uma lei inconstitucional, porque viola as normas que regulam a elaboração de leis no âmbito da execução penal. Também porque a Lei de Execução Penal (LEP) já prevê expressamente que a competência para transferência de presos é do juiz, e a lei estadual retirou do juiz essa competência. Então, essa lei não tem validade, se você for observá-la diante da própria Lei de Execução Penal e também da Constituição.

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