Publicado em 04 Julho 2020
Welliton Carlos é advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG)
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Welliton Carlos é jornalista e advogado
Não vou discutir questões individuais nem tópicas neste artigo. Afinal, entendo que existem realmente situações críticas entre empresários durante a pandemia e a sociedade deve socorrê-los, a começar a Federação das Indústrias e Comércio do Estado de Goiás (Fieg) e similares.
Quero tratar do fato comunicado: os empresários não concordam com recomendações técnicas e científicas de uma das maiores instituições de Goiás ( a Universidade Federal de Goiás-UFG), protestam e não raro ameaçam os poderes constituídos - uma minoria ameaçam de forma vexatória. Pregam o fim da quarentena quando Goiás registra em um dia mais mortos do que dois países juntos - Paraguai e Uruguai - durante toda a pandemia. Ou pior: quando o estado lidera em crescimento e casos todos os estados do Brasil nos últimos 14 dias, conforme o Ministério da Saúde.
Vou repetir: querem o fim da quarentena em pleno pico da pandemia internacional de covid-19.
Em suas posições, Sandro Mabel, presidente da Fieg, ex-deputado federal, demonstra preocupação econômica exclusiva. Diria que não vejo um real discurso social, acoimado com o que é dito por todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Combate os decretos de 14 x 14 como se fossem externos à sociedade que integra. Discordam estes empresários da maioria da população, cuja opinião pública está manifesta em várias pesquisas da Dafolha e XP. Em todas elas, a maioria do povo se mostra contra a liberação do comércio como querem os manifestantes dos empresários. É preciso ser bem claro: a maioria do povo. E que fique claro: a maioria do povo não é comerciante. São consumidores.
Além do mais, mesmo nos momentos mais inflexíveis, parte significativa das indústrias e comércios estiveram abertos em alguma medida. Goiás teve até aumento na geração de empregos. A economia, logo, não está parada.
Portanto, o que se vê é muito mais a ânsia por abertura e prática comercial do que de real entendimento de um problema universal: enfrentarmos juntos e solidários a pandemia. Tudo isso ocorre com a História, com H maiúsculo, observadora dos atos de todos personagens envolvidos.
Durante a guerra pouco interessa cinemas, comércios, produção. Na guerra preserva-se a vida.
Pois bem. Estamos diante da guerra. Cabe aos empresários perceberem a gravidade e entenderem que a definição de comércio em sua base considera a teoria do risco. É característica do ato de comércio, como diria Fran Martins, clássico comercialista, o risco. O empresário sabe que seu ato em busca do lucro pode reverter em risco.
Pois estamos exatamente no ambiente do risco. Não importando mais os direitos privados de lucro frente ao público, que é a saúde pública, a vida, a segurança, etc. Nenhum constitucionalista sério vai debater este enfrentamento: direito à vida x direito à comerciar. Por um simples motivo: milhares de livros sobre direito no mundo subsumiram um direito ao outro há séculos. O direito à vida é inalienável e imprescritível. Soberano.
E mais ainda: desrespeitar a vida é crime.
O artigo 268 do Código Penal diz que infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, é crime, que pode ser apurado mesmo após o fim da pandemia.
Diante da sociedade, o livre comércio continua um imperativo de grande expressão. Mas é preciso perceber que o momento é outro: de união para que todos possamos sobreviver. Ontem, a associação que representa os hospitais particulares, que atendem em parte justamente figuras com maior poder aquisitivo, como empresários, emitiu nota para dizer que não tinham mais vagas na UTI.
É uma ironia aos empresários que caso necessitem a partir de agora de uma UTI talvez tenham que recorrer aos mesmos poderes públicos que tanto combatem.
Mais do que lei, todavia, temos a acrescentar em nossa história é em que medida seremos daqui em diante: responsáveis ou solidários aos mortos.