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Fogo cerrado

olho


Publicado em 13 Agosto 2012

Walter Sanches é Técnico Indigenista

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Os últimos anos da década de 1990 e os que vieram em seguida foram marcados pelas queimadas - e assim continuam. No Planalto Central, em particular, dificilmente o País teria sido, em outras épocas, submetido a fogaréu tão intenso. Fogo no Cerrado, nos meses da seca, não é novidade - e jamais ficamos sabendo de alguma medida consistente para punir ou evitar esse crime. Crime cometido muitas vezes por caçadores e pescadores da região, além do exercício perverso e ilegal de suas atividades, deixam de apagar o fogo dos acampamentos onde pernoitaram - ficando a consequência ao sabor dos ventos.
Na Terra Indígena Avá-Canoeiro, norte de Goiás, os 38.000 hectares da "reserva" foram integralmente incendiados também por conta da preparação de pequenas roças que não somariam um centésimo dessa extensão, ou para que os posseiros ainda ali residentes vissem brotar capim novo nos pastos, garantindo, dessa maneira, o sustento de seus rebanhos.
Essa é a técnica: incendeiam-se áreas agricultáveis para limpar glebas do solo a ser cultivado, bem como as velhas pastagens ressequidas que, com a chegada das chuvas, fertilizam-se das cinzas e renascem viçosas. Como não costumam adotar providências para a retenção das chamas apenas no local desejado, elas alastram-se pelo horizonte afora, por semanas a fio, numa carbonização imensurável - todos os anos. Mesmo que milhares de sacas de cereais fossem colhidas e houvesse considerável reprodução de gado, mesmo assim, lucro nenhum daria para ressarcir ou justificar os prejuízos causados à natureza. Esse processo tem, entre tantos outros danos, acentuado o silêncio da mata, cuja sonoridade constituía-se numa de suas maiores riquezas, e, propiciado a agonia e o fim de igarapés perenes até então: devido à assolação de suas cabeceiras secam por entre as pedras do leito, restando apenas um caminho de areia.
Outra grande importância do Cerrado está na diversidade das plantas medicinais, usadas tradicionalmente pelos  índios e a sociedade regional e são, antes de tudo, um patrimônio da Humanidade. Muitas dessas plantas, sequer pesquisadas, guardarão a cura de doenças "incuráveis" contra as quais o homem vem debatendo-se neste início de milênio. Mas a flora medicinal, os recursos hídricos e a fertilidade do solo definitivamente parecem não ter qualquer sentido para a existência humana - e o resultado temos assistido sem maiores questionamentos: a devastação do Cerrado pelo fogo. Cerrado já seco por natureza e que, anualmente, por contingência dos maus tratos recebidos, torna-se mais árido e inóspito - o chão petrificando-se aos nossos olhos, impedido de reproduzir a vegetação nativa.
Mas apesar dos pesares uma legião de raízes teima em resistir e manifestar-se entre os escombros: plantas rasteiras anunciando que ainda não foi desta vez - e, quem sabe? -  possibilitando as derradeiras considerações de nossa parte. Sinais de vida que não estamos habituados a enxergar - somente à pisá-los.
 

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